18 de jan. de 2011

Forças Armadas no Controle das Operações de Defesa Civil: Reflexo do Estado de Caos no Sistema de Defesa Civil Brasileiro

          Ao saber pela imprensa que as Forças Armadas Brasileiras iriam assumir o controle das operações de resgate e a coordenação dos diversos órgãos que estão atuando no teatro de operações da Região Serrana do Rio de Janeiro reflete o estado de total desorganização operacional, despreparo estrutural e político e o completo descaso das Autoridades Brasileiras com o Sistema de Defesa Civil, onde o problema começa no âmbito municipal e atinge o seu triste auge no âmbito federal.

          Apesar do Sistema de Defesa Civil no Brasil ter surgido na 2ª Guerra Mundial, na forma de um sistema de alerta às populações costeiras contra possíveis ataques aéreos alemães, ou seja, surgido no âmbito militar, este não vingou como o desejado após o término da guerra. Os próprios militares abandonaram o sistema à época, pois não "havia mais ameaças" que pudessem colocar à população brasileira em risco.

          No meio político, desde longa data, sempre se teve à cabeça que no Brasil "não há desastres", pois não há terremotos, maremotos, vulcões, etc. Mas se esquecem que no País há outros tipos de desastres naturais tais como enchentes, deslizamentos de encostas e secas. O problema ainda é mais sério: quantas vidas são perdidas nos acidentes de trânsito no Brasil anualmente, ou vítimas de epidemias de doenças como dengue, dentre outras, ou os incêndios florestais (queimadas) que destroem milhares de quilômetros quadrados de vegetação, matam animais, destroem os mananciais de água potável e levam milhares de pessoas aos hospitais por causa de doenças respiratórias? Isto tudo acontece todos os anos, nas mesmas épocas, e nada é feito pelo Poder Público. Todos estes eventos são desastres provocados pelo homem ou naturais decorrentes do desequilibrio dos ecossistemas causados pela ocupação humana desordenada.
          O País possui uma excelente política de defesa civil e uma sólida doutrina sobre o assunto, que teve suas bases lançadas pelo meu saudoso amigo, professor e incentivador General Antônio Luiz Coimbra de Castro, que por muitos anos foi Chefe do Departamento de Minimização de Desastres da Secretaria Nacional de Defesa Civil (SENADEC).

          Quase 20 anos se passaram desde o meu contato diário com o General Castro, com quem muito aprendi sobre defesa civil no campo teórico. Muito pouco vi a aplicação de suas teorias no campo real. Para ele, os bombeiros eram a mola reguladora e propulsora do sistema de defesa civil nacional. Deveriam ser os bombeiros na gerir, coordenar, planejar e executar as ações de defesa civil, tal como prescrito no Artigo 144,§5º da Constituição Federal.

          Os bombeiros têm assumido algumas vezes o seu papel de gestores do sistema de defesa civil, mas isto não é uma regra. Forças Armadas e Policias Militares sempre tentam ganhar espaço na defesa civil, tanto no âmbito federal quanto nos estaduais. Militares e civis despreparados muitas das vezes são colocados como secretários nacionais, estaduais e municipais de defesa civil, como  presidentes de comissões municipais de defesa civil e de núcleos comunitários de defesa civil. A assunção destes cargos de chefia quase sempre se faz por critérios políticos e não técnicos. O erro já começa aí. A política está acima dos interesses públicos! Isto é muito triste e vergonhoso para um país como o Brasil que "busca seu lugar à sombra" junto aos países mais ricos e desenvolvidos do planeta.

          Nos Estados Unidos, na Alemanha, no Japão e em outros países desenvolvidos, os desastres são levados a sério e os bombeiros valorizados. Nos EUA os corpos de bombeiros são geralmente municipais, mas regulados e coordenados pela Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA - Federal Emergency Manangement Agency). No Japão os corpos de bombeiros também são municipais, mas a administração integrada dos serviços por eles executados é feito de forma sistêmica, em nível das prefeituras (equivalente aos estados no Brasil) e em nível nacional, por meio da Agência de Defesa Contra Incêndios (Fire Defense Agency), ligada diretamente ao Primeiro-Ministro Japonês. Na Alemanha os corpos de bombeiros são estaduais, mas estas corporações são gestoras e dão apoio aos corpos de bombeiros municipais, que geralmente são compostos por bombeiros voluntários. O Estado Alemão mantém uma Agência Federal de Alívio Técnico, a  TWH (Bundesanstalt Technisches Hilfswerk) que é um órgão governamental de defesa civil que presta assistência em situações de desastre e de coordenação, fiscalização e apoio dos serviços de emergência.

          No Brasil,  um país de dimensões continentais como os EUA, não tem um sistema nacional de gestão de emergências. A SENADEC, um absurdo, não se presta a este serviço. Alguém ouviu falar na imprensa que técnicos da SENADEC estavam na Região Serrana do Rio de Janeiro coordenando as ações de socorro? NÃO! Foi mais fácil colocar as Forças Armadas para coordenarem as ações de prestação de socorro e de reconstrução, pois somente elas estão organizadas para este tipo de serviço. Ponto para o Governo Federal, pois esta foi a decisão mais acertada, no curto prazo. Contudo também é uma vergonha para a União em não manter um sistema integrado de operações de socorro em caso de desastres, com uma tropa federal de pronto-emprego para primeira resposta e os demais corpos de bombeiros estaduais e municipais integrados a este sistema, como contigentes mobilizáveis para atendimento a estes tipos de ocorrências catastróficas.

          Maior vergonha é o Brasil não possuir um sistema de alerta contra o perigo de desastres, em pleno século XXI e com o volume de desastres que ocorrem anualmente no País! O Governo Federal tentou minimizar esta vergonha com o anúncio da criação de um sistema de alerta contra desastres a ser projetado e posto em funcionamento em 4 anos. Quantas pessoas precisam ser mortas nas chuvas, nas secas, nas epidemias e no trânsito nestes 4 anos para que este "mega sistema" entre em funcionamento? Realmene há a necessidade de uma rede de radares meteorológicos em funcionamento no País, monitorização do clima via satélite, centros de recepção e tratamento de dados meteorológicos, sistemas de monitorização geológicica e um sistema mais avançado de vigilância e alerta. Não questiono isso. Contudo, começa-se com ações muito mais simples, menos dispendiosas e extremamente efetivas. 

          Sistemas de alerta contra desastres se iniciam imediatamente, com o treinamento de voluntários para monitorização dos sinais meteorológicos e variações climáticas, com a distribuição a estes voluntários de instrumentos como pluviômetros feitos de garrafas "pet" e réguas escolares para medições; o desenvolvimento de um sistema de comunicação simples por meio de telefonia fixa e celular e estações de rádio amador para a comunicação dos alertas de risco.

          O sistema de alerta se faz com o fortalecimento dos Núcleos Comunitários de Defesa Civil, para a concientização das populações instaladas nas áreas de risco a desocuparem estas áreas em caso de perigo iminente de desastres. Alerta se faz com auxílio dos órgãos da imprensa local (estações de rádiodifusão e redes de televisão) ligados aos sistemas de telefonia e rádio amador, comunicando as populações expostas ao risco de desastre iminente a tempo, orientando a todos os afetados como proceder nestas situações.

          Por último, o nó mais importante desta rede de emergência são os bombeiros, sempre alertas, que devem estar devidamente equipados para atuarem quando os desastres ocorrerem, de modo a dar uma primeira resposta efetiva e chegar às comunidades mais atingidas no mínimo lapso de tempo, de modo a evitar que mortos sejam resgatados, mas sim vivos sejam salvos. Afirmo: Forças Armadas são apoio, poder mobilizável, e não gestores do serviço que nós bombeiros fomos perparados para faze-lo.   

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